Público tem a chance de mergulhar na obra de um dos cineastas mais originais e aclamados da Inglaterra.

Começou nesta semana e vai até o dia 22, a mostra “O Realismo Social no Cinema de Mike Leigh”, apresentada no Cinema 1 do CCBB. A mostra oferece ao público carioca a chance de mergulhar na obra de um dos cineastas mais originais e aclamados da Inglaterra das últimas décadas, com exibições dos filmes em formatos 35mm, Bluray e DVD. A programação contempla, em paralelo às exibições, duas mesas de debates e uma masterclass com o professor Dr. João Luiz Vieira, professor da Universidade Federal Fluminense. Haverá também uma sessão acessibilidade do filme “Hard Labour” (1973), um dos primeiros da carreira do diretor. O ingresso para as sessões custa R$10.

Com produção da Prama Comunicação e curadoria de Hans Spelzon e Tunico Amancio, a mostra traz obras que Mike Leigh realizou ao longo de quase 50 anos de atividade no Cinema. Estarão presentes filmes de grande sucesso, como “O segredo de Vera Drake” (2004), além de outros que sequer estrearam nas salas comerciais brasileiras, como “High Hopes” (1988) e “Naked” (1993). Entre os 24 filmes (3 curtas e 21 longas), ainda serão exibidos alguns trabalhos para a televisão, feitos especialmente para os canais BBC e Channel 4, e não menos importantes em sua trajetória. Fazem parte deste último grupo obras como “Abigail’s party” (1977) e “Four days in July” (1984). Os filmes em formato 35mm serão “Segredos e Mentiras” (1995), “Topsy-Turvy – O espetáculo” (1999), “Garotas de Futuro” (1997) e “Agora ou Nunca” (2002).

Mike Leigh analisa a estrutura da sociedade ao falar das pessoas, das angústias, dos medos, das tentativas de movimento, de viver frente ao que se tem – e o que nem sempre se pode mudar. “A unidade familiar é uma questão importante em sua obra. Trata-se de uma busca de compreensão vivida por cada uma das personagens no desenrolar da trama. É, de fato, ali, dentro da casa, analisando as relações em conflito, que ele gosta de se posicionar. Vemos isto claramente em ‘Life is Sweet (1990), ‘Agora ou nunca’ (2002) e ‘Mais um ano’ (2010), por exemplo. E estes são apenas alguns”, diz Hans Spelzon.

Falar do cinema de Mike Leigh (nascido em 1943, em Salford, Manchester) é referir-se geralmente às histórias de pessoas comuns. O realismo ao qual o título da mostra se refere é a ideia através da qual o diretor organiza diversos elementos de seus filmes: as interpretações, as emoções, o senso de humor, e também os aspectos visuais como a fotografia e a direção de arte. “A câmera de Mike Leigh consegue penetrar na casa da classe trabalhadora e falar intimamente da vida das personagens. E ele o faz de uma forma incrível: dramática, encenada, construída detalhadamente em sua proposta de realismo. É através deste realismo que se cria um olhar cotidiano das classes trabalhadoras (média e baixa), a representação de um sentimento britânico, mas ao mesmo tempo universal e, portanto, de fácil identificação pelos espectadores brasileiros”, destaca Spelzon.

A consolidação da produção de filmes do estilo realista social ocorreu nos anos oitenta, quando a televisão inglesa teve papel fundamental: A BBC e o Channel 4 produziram filmes rodados com baixo orçamento, a ficção quase documental, cujos personagens vinham de classes trabalhadoras. Além de Mike Leigh, somam-se ao time de diretores: Ken Loach, Stephen Frears, David Hare, Michel Apted, Mike Newell e Mike Figgis. Pode-se explicar a predominância do estilo a partir do que a Inglaterra vivia com as políticas neoliberais de Margareth Thatcher (primeira ministra de 1979 a 1990), que ocasionaram forte recessão econômica, refletida em desemprego e perda de direitos sociais pela população. “O diretor se singulariza por apostar nos dramas de pessoas comuns em sua batalha quotidiana para sobreviver às adversidades e com isto tece um eloquente mosaico sobre a vida contemporânea na Inglaterra”, diz o curador Tunico Amancio. Um outro filme que estará presente na retrospectiva e é aqui pouco conhecido, apesar de chave para o entendimento desse realismo social, é ‘Meantime’ (1984), produzido para o Channel 4. O filme tem no elenco nomes como Gary Oldman, Tim Roth e Alfred Molina.

A extensa experiência de Mike Leigh no teatro influenciou sua maneira de pensar os filmes, sem um roteiro tradicional como ponto de partida, mas o criando a partir de meses de ensaios com os atores, que improvisam, desenvolvem personagens que, aos poucos, têm suas vidas cruzadas, tecendo a trama. “A direção de atores de Mike Leigh é um aspecto essencial da riqueza de sua obra. Dada a importância dos atores em seus filmes, o diretor britânico também é conhecido por trabalhar repetidas vezes com os mesmos”, diz o curador. Estão neste hall: Brenda Brethyn, Ruth Sheen, Timothy Spall, Lesley Manville, Sally Hawkins, Imelda Staunton, David Thewlis, Alison Steadman e Jim Broadbent, grupo em sua totalidade composto por atores premiados nos mais importantes festivais de cinema de arte.

Mike Leigh foi indicado ao Oscar de melhor diretor por “O segredo de Vera Drake” (2004), história de uma empregada na Grã-Bretanha dos anos 1950 que faz abortos ilegais. Em Veneza, a filme também venceu o Leão de Ouro e a Coppa Volpi de melhor atriz para Imelda Staunton. O cineasta já havia sido indicado ao Oscar de melhor diretor em 1996, por “Segredos e mentiras”, que conta a história de uma mulher negra em busca de sua mãe, branca – este considerado seu filme mais famoso, teve outras quatro indicações ao prêmio americano, incluindo melhor filme do ano, atriz (Brenda Blethyn), roteiro e atriz coadjuvante (Marianne Jean-Baptiste). “Segredos e mentiras” também recebeu a Palma de Ouro em Cannes, em 1996, quando Brenda Blethyn foi agraciada como melhor atriz. Foi neste mesmo festival que Mike Leigh ganhou o prêmio de melhor diretor com “Naked” (1993), quando também David Thewlis ganhou melhor ator. “Topsy-Turvy – O espetáculo” (1999) ganhou a Coppa Volpi de melhor ator (Jim Broadbent) em Veneza, além do Oscar de Figurino e Maquiagem. As indicações de Mike Leigh ao Oscar, além das duas nas categorias de direção, contam mais cinco na de roteiro: “Segredos e mentiras”, “Topsy-Turvy – O espetáculo”, “O segredo de Vera Drake”, “Simplesmente feliz” (2008) e “Mais um ano” (2010). “Simplesmente feliz” ganhou o prêmio de melhor atriz (Sally Hawkins) em Berlim e o Globo de Ouro na mesma categoria. Já “Bleak moments” (1971), seu primeiro filme, ganhou o Leopardo de Ouro em Locarno. Outros filmes de Mike Leigh receberam diversos prêmios ao redor do mundo, incluindo o BAFTA, principal prêmio britânico, e aqueles oferecidos por circuitos de críticos dos EUA e das cidades de Nova Iorque e Londres.

Veja o serviço e a programação completa no site do CCBB Rio de Janeiro:

http://culturabancodobrasil.com.br/portal/o-realismo-social-no-cinema-de-mike-leigh/