Dia de celebrar o poeta que convidava o leitor a passear sob palavras pelo Rio de Janeiro

Neste 31 de outubro é dia de celebrar Carlos Drummond de Andrade, que nasceu em 1902 em Itabira (MG) mas foi no Rio de Janeiro que ele viveu a maior parte de sua vida e onde buscou inspiração para seus escritos.

Drummond morou em Copacabana desde que chegou ao Rio nos anos 1930. Primeiro na Rua Joaquim Nabuco, nº 81, onde residiu até 1962, quando a casa foi demolida. Sua segunda residência, onde ficou até falecer em 17 de agosto de 1987, foi no apartamento 701 do Edifício Luiz Felipe, da Rua Conselheiro Lafayete, 60, na divisa com Ipanema.

Embora tenha dito “não cantes tua cidade, deixe-a em paz”, Drummond descreveu seu amor ao Rio de Janeiro como poucos. Em sua obra, por meio de palavras, o poeta convida o leitor a passear pelas cidade-poema que é o próprio Rio.

RIO EM FLOR DE JANEIRO

Carlos Drummond de Andrade

 

A gente passa, a gente olha, a gente pára

e se extasia.

Que aconteceu com esta cidade

da noite para o dia?

O Rio de Janeiro virou flor

nas praças, nos jardins dos edifícios,

no Parque do Flamengo nem se fala:

é flor é flor é flor,

uma soberba flor por sobre todas,

e a ela rendo meu tributo apaixonado.

 

Pergunto o nome, ninguém sabe. Quem responde

é Baby Vignoli, é Léa Távora.

(Homem nenhum sabe nomes vegetais,

porém mulher se liga à natureza

em raízes, semente, fruto e ninho.)

 

Iúca! Iúca, meu amor deste verão

que melhor se chamara primavera.

Yucca gloriosa, mexicana

dádiva aos canteiros cariocas.

Em toda parte a vejo. Em Botafogo,

Tijuca, Centro, Ipanema, Paquetá,

a ostentar panículas de pérola,

eretos lampadários, urnas santas,

de majestade simples. Tão rainha,

deixa-se florir no alto, coroando

folhas pontiagudas e pungentes.

A gente olha, a gente estaca

e logo uma porção de nomes populares

brota da ignorância de nós todos.

Essa gorda baiana me sorri:

– Círio de Nossa Senhora… (ou de Iemanjá?)

– Vela de pureza, outra acrescenta.

– Lanceta é que se chama. – Não, baioneta.

– Baioneta espanhola, não sabia?

E a flor, que era anônima em sua glória,

toda se entreflora de etiquetas.

 

Deixemo-la reinar. Sua presença

é mel e pão de sonho para os olhos.

Não esqueçamos, gente, os flamboyants

que em toda sua pompa se engalanam

aqui, ali, no Rio flóreo.

Nem a dourada acácia,

nem a mimosa nívea ou rósea espirradeira,

esse adágio lilás do manacá,

esse luxo do ipê que nem-te-conto,

mais a vermelha aparição

dos brincos-de-princesa nos jardins

onde a banida cor volta a imperar.

 

Isto é janeiro e é Rio de Janeiro

janeiramente flor por todo lado.

Você já viu? Você já reparou?

Andou mais devagar para curtir

essa inefável fonte de prazer:

a forma organizada

rigorosa

esculpintura da natureza em festa, puro agrado

da Terra para os homens e mulheres

que faz do mundo obra de arte

total universal, para quem sabe

(e é tão simples)

ver?