“Dois Irmãos” se justifica nas primeiras quatro páginas. Adaptação do livro homônimo de Milton Hatoum, a novela gráfica dos irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá começa reivindicando sua autenticidade com uma sequência de cenários de Manaus, sem nenhuma palavra. Ao mesmo tempo estabelece a cidade, quase ausente do imaginário nacional (mais ainda nos quadrinhos), como parte da história. E sua história como parte da história do Brasil.

Daí pra frente veremos Manaus interagir com uma família de imigrantes libaneses nas primeiras décadas do século passado. Halim é um vendedor que trabalha o suficiente para aproveitar a vida ao lado da esposa, Zana. Mas Zana corta o seu barato insistindo em ter três filhos. Assim nascem os gêmeos Yaqub e Omar. O cenário familiar é completo com a irmã mais nova, Rânia, uma índia que trabalha para a família, Domingas, e seu filho, Nael.

Os gêmeos desenvolvem uma rixa na infância e, para tentar resolver a questão, Halim tem a ideia de enviá-los para o Líbano por uns anos. Apenas Yaqub vai, e a divisão acaba selando o destino dos irmãos, acentuando as motivações herdadas dos pais. Omar, mimado pela mãe após dificuldades no parto, carrega do pai apenas a disposição de aproveitar a vida. Yaqub, introspectivo e forçado a adquirir independência, fica com a disposição para o trabalho. Da mãe, ambos herdam a irredutibilidade de suas escolhas.

“Dois Irmãos” voltou ao destaque nas livrarias este ano por conta da adaptação para minissérie televisiva. E carrega os temas que movem a história, dos dramas pessoais às questões históricas, até melhor que a minissérie, que suaviza algumas passagens. A arte de Bá tem a simplicidade perfeita para sustentar uma narrativa complexa sem perder a riqueza dos cenários e personagens.

Não escapa dos obstáculos óbvios das adaptações de livros: algumas passagens somem e personagens coadjuvantes perdem muito do propósito. Mas enquanto o original recebeu o Prêmio Jabuti em 2001, o quadrinho levou tanto o HQMix brasileiro, quanto o Eisner Awards americano como Melhor Adaptação em 2016. Ou seja, Bá e Moon pintaram a aldeia de Hatoum, e o resultado é universal.

Dois Irmãos
Gabriel Bá e Fábio Moon
História em Quadrinhos
Companhia das Letras
232 páginas

Texto: Roberto Soares Neves
Imagem: Divulgação