Um macabro jogo pela vida no qual prevalece o egoísmo e a violência.
Por Jairo Sanguiné / R3S
Um futuro distópico. Uma prisão vertical, dividida em níveis com dois prisioneiros em cada, onde uma plataforma desce todo dia servindo um banquete ao nível zero e, conforme vai descendo, as pessoas dos níveis abaixo vão comendo desesperadamente o que sobra, até que a partir de um determinado nível não sobra nem farelo e as pessoas precisam dar um jeito para sobreviver naquele mês, porque no próximo poderão estar em outro nível, mais abaixo ou mais acima, num macabro jogo pelo alimento e pela vida no qual prevalece o egoísmo e a violência.
Essa é a premissa do filme “O Poço”, primeiro longa do espanhol Galder Gaztelu-Urrutia, que acaba de entrar no Netflix e que remete de alguma forma ao atual momento de pandemia e confinamento, em que as pessoas se preocupam apenas com seu próprio umbigo, querendo garantir o seu papel higiênico e o seu álcool em gel, comprando quantidades exageradas mesmo sabendo que pode faltar para outras pessoas.
É um filme extremamente perturbador, tanto pelo aspecto sombrio quanto pelo cenário minimalista e pelo impacto de algumas cenas, mas principalmente pela oportuna e inteligente metáfora da pirâmide social injusta como a que vemos na nossa sociedade. Na verdade, mais do que metáfora é uma representação simbólica da nossa realidade. É a luta de classes escancarada e escarrada na cara do capitalismo neoliberal, cruel e desumano. Um soco no estômago que faz o espectador pensar para onde a sociedade está caminhando. O Poço é alegoria visceral, mórbida, agoniante, claustrofobica e bastante real das estruturas e desigualdades sociais do planeta.
Segundo o próprio diretor, o longa é um convite para os espectadores refletirem sobre a injusta distribuição de riqueza no mundo, um dos grandes problemas universais do presente e do futuro. O filme explora uma possível saída para aquela situação injusta e degradante: a solidariedade, o que confirma o que sentenciou em recente artigo publicado no jornal parisiense Liberation, o pensador francês Edgar Morin, de 98 anos: “a saída para a pandemia é a solidariedade universal”.
A obra é bastante profunda e deixa em aberto o final para que cada espectador reflita sobre a história narrada e sobre o próprio mundo caótico que construimos até aqui. Será que ainda é possível mudar o rumo dessa história?
Nunca é demais lembrar um poema antigo de Dom Elder Câmara extraído da famosa Missa dos Quilômbos em que ele dizia: “Basta de uns terem que vomitar para comer mais enquanto milhões não tem o que comer”.
VEJA O TRAILER DO FILME:
O POÇO
- Diretor: Galder Gaztelu-Urrutia
- Elenco: Ivan Massagué, Alexandra Masangkay, Antonia San Juan, Emilio Buale.
- Duração:1h34min