Corpo Elétrico (2017) é um filme sobre a beleza do cotidiano e suas relações casuais. Ele escancara a cultura popular brasileira em uma obra intelectual e de estética elogiável, uma aposta rebatedora da esfera cult cinematográfica que valoriza a cultura rebuscada. Dirigido por Marcelo Caetano e escrito por ele em parceria com Gabriel Domingues e Hilton Lacerda, estreou nos cinemas brasileiros dia 17 de agosto.

O longa mostra os dias de Elias (Kelner Macêdo), um jovem paraibano, gay, que vive em São Paulo e trabalha numa confecção de roupas. É um filme que questiona não apenas os lugares socialmente pré estabelecidos de gays, como também de negros, imigrantes e operários, numa verdadeira experiência inebriante.

Corpo Elétrico é suave e constante, sem clímax na história, que começa e termina leve, assim como o sorriso de Elias. Fala sobre relações, afetos e felicidade sem cair no já esperado para personagens gays: o sofrimento. É um filme para sorrir gostoso junto aos personagens, “minha intenção é começar um novo repertório sobre o amor”, conta Caetano.

O diretor explorou muito bem olhares, bocas, gestos e inquietações e escolheu exibir a vida dos personagens de maneira contemplativa, com cenas longas e silenciosas, construídas por diálogos e ruídos. A narrativa não informativa nos leva a prestar atenção diretamente às falas, que junto à poética de todos os elementos presentes e a atuação livre dos atores, criam sensações e sentimentos que são “como entrar no mar”, como diz Kelner, parafraseando seu personagem, quando perguntado sobre o filme.

Há um reconhecimento natural com os personagens, pois tanto estes diálogos nos são naturais, quanto os ruídos – destes diários e metropolitanos – não nos soam estranhos – por se fazerem constantes. Vemos longos planos sequência de conversas, fiadas ou não, rotineiras e cotidianas, sobre a vida e sobre cada personagem, sempre ao som da cidade em movimento.

O título, inspirado no poema de Walt Whitman “Eu Canto o Corpo Elétrico” – que exalta a vida de trabalhadores americanos -, foi motivo de debate na pré estréia, no Estação Net Rio, pois abre inúmeras interpretações, estas que Caetano não quis refutar, se reservando apenas a explanações sobre o que foi surgindo dos espectadores na sala de cinema, afirmando que ele foi feito para ser interpretado mesmo.

Assim como o longa todo, que foi concebido para não obedecer regras pré estabelecidas e sim ser livre pra ser construído durante a produção. Caetano enfatiza, inclusive, que todos os envolvidos, principalmente os atores, são co-autores, num processo de humanização que já faz parte de seu trabalho desde outras produções. “Há um borramento de contato”, explica Kelner, quando perguntamos sobre o processo de construção de seu personagem e envolvimento do elenco com o tudo.

Elenco este que pode se permitir não fixar-se a um roteiro e sim ter liberdade para criar, o que deu o tom natural ao filme, com atuações incríveis, mesmo que não impecáveis, tanto de quem já atuava antes do filme, quanto de quem não atuava – Caetano também escolheu, e muito bem, pessoas que nunca tinham atuado antes. Já a caracterização de cada personagem é exemplar, desde as roupas baratas, o cigarro e café das pausas no trabalho, a Skol e a Catuaba bebidas, até os apartamentos e casas no subúrbio. E a fotografia segue esta naturalidade ao não se restringir a uma paleta de cores fechadas, escolha do diretor, por não querer que cores escolhidas invadissem as cenas e tomassem o lugar da realidade, já que a vida (nas cidades) não tem nuances e tons definidos (mesmo na cinza São Paulo).

“É para parar e olhar, para respirar com o personagem” Marcelo Caetano

Ao final, a sensação é de incompletude, o que faz sentido para um filme que se propõe a ser apenas um pedaço cotidiano da vida, mas mesmo assim nos deixa com vontade de ver mais. Corpo Elétrico em si é uma obra em movimento, pois os corpos estão movimentando-se constantemente não apenas no espaço, mas também em busca de experiências, sentimentos e eletricidade numa vida monótona e sufocante de trabalho a partir de experiências simples e mundanas.

Corpo Elétrico

Estréia: 17 de agosto de 2017 (1h 34min)
Direção: Marcelo Caetano
Elenco: Kelner Macêdo, Lucas Andrade, Welket Bungué mais
Gênero: Drama
Nacionalidade: Brasil

Imagens: Divulgação