“Cinema é um troço escuro que você fica lá dentro vendo a vida dos outros ao invés de cuidar da sua e perde duas horas da vida”. A frase proferida pelo personagem de Selton Mello no “O Filme da Minha Vida”, que ele dirige e atua, é a antítese da obra, que com certeza não tem nada a ver com este que é o seu terceiro e mais aguardado filme, com estreia esta semana. Pelo contrário, são duas horas de ganho, de puro êxtase cinematográfico. Assista e ganhe duas horas de sensibilidade e poesia na tela grande. Assim como “Cinema Paradiso” (Giuseppe Tornatore, 1988), o filme de Selton Mello também é uma ode ao cinema.
Nem dá pra dizer que Selton amadureceu como diretor, porque parece que ele já nasceu maduro como cineasta quando lançou, em 2008, seu primeiro longa, “Feliz Natal”, e manteve o nível no filme seguinte, “O Palhaço”. Acabou levando para trás das câmeras toda sua experiência acumulada na condição de ator em obras importantes para o cinema nacional, como “Lavoura Arcaica”, “A Erva do Rato”, “O Auto da Compadecida” e o sarcástico “O Cheiro do Ralo”, pelo qual recebeu prêmio de melhor ator em seis festivais.
Mas o filme não se resume à direção correta, cuidadosa e detalhista. A fotografia de Walter Carvalho, antigo parceiro de Mello, é arrebatadora com uma sépia que é a perfeita tradução da nostalgia (a história se passa no inverno gaúcho dos anos 60). As atuações impecáveis dos jovens Johnny Massaro e Bruna Linzmeyer, além das presenças marcantes do francês Vicent Cassel e do veterano Rolando Boldrin, que volta a atuar em grande estilo, garantem o ganho de duas horas da vida sentado numa cadeira de cinema. E a cereja no bolo é a trilha sonora, que vai de Sérgio Reis (“Coração de Papel”) a Nina Simone (“I Put A Spell On You” ), passando por Charles Aznavour (“Hier Encore”) e Dalva de Oliveira (“Errei Sim”). Cada música parece bordar a cena como aquele ponto final no delicado crochê da vovó.
Baseado no livro “Um Pai de Cinema”, do chileno Antônio Skarmeta (“O carteiro de Neruda”), que inclusive faz uma ponta, “O Filme da Minha Vida” exala na tela delicadeza estética e dramática e lembra muito obras europeias consagradas, como o cinema francês de Luis Malle.
E tudo isso produzido com módicos R$450 mil, um trocado diante da milionária indústria cinematográfica atual. E pode chamar isso como quiser: cinema cult, cinema de autor, experimental… Melhor mesmo chamar simplesmente de Cinema, Cinema Brasileiro com orgulho.
Veja nossa entrevista com o diretor:
O Filme da Minha Vida | Estréia em 03.08.17
Direção: Selton Mello
Elenco: Vincent Cassel, Johnny Massaro, Bruna Linzmeyer, Beatriz Arantes, Selton Mello, Ondina Clais
Gênero: Drama
Nacionalidade: Brasil
Imagem: Divulgação