Maestro está há uma década na regência e direção artística da Orquestra Sinfônica da Bahia, a OSBA.
Por: Cristiana Lobo/Especial Revista 3Sinais
O maestro Carlos Prazeres, carioca e já considerado cidadão baiano, completa 10 anos na regência e direção artística da Orquestra Sinfônica da Bahia, a OSBA, em 2021. Carlos é hoje um dos grandes nomes da vanguarda da música clássica no Brasil. Ele está sempre pensando em formas de inovar, investe na formação de plateia, pesquisa e resgata compositores esquecidos, abre espaço para novos talentos e é antenado com as discussões da atualidade, o que leva a iniciativas de inclusão e valorização de artistas negros e mulheres nos projetos da orquestra. Não à toa seus concertos têm casa lotada com frequência e conquistou os jovens – OSBA é hoje a única orquestra com um fã-clube no país.
Durante a pandemia, seu maior desafio foi levar a orquestra para o universo virtual. O resultado foi a realização do concorrido Sarau online e a realização de dois documentários, um deles com a participação de Caetano Veloso. Todos disponíveis no canal da orquestra no YouTube. Outro aprendizado durante o isolamento? Cuidar da saúde e bem-estar dele próprio e dos demais, com projetos solidários como o Corrente Sinfônica, que arrecada doações e conseguiu quase uma tonelada de alimentos para auxiliar institutos parceiros. Nesse bate-papo ele compartilha com mais detalhes o trabalho que tem realizado nos últimos anos.
- Como uma orquestra se mantém musicalmente conectada ao século 21 e ao mesmo tempo honra suas tradições clássicas?
Uma orquestra pode se manter conectada com século XXI sob diversos aspectos. Por um viés social, quando analisa a amostragem de seu público e observa se o mesmo está trilhando o caminho justo da diversidade. Por um viés comunicativo, observando se está conseguindo manter uma comunicação moderna e eficaz com seu público, divulgando os clássicos seculares através das ferramentas sociais mais modernas. Por um viés futurista, no qual, ciente dos novos tempos, repensa e estuda o que seria o “novo músico” e o “novo concerto”.
- A OSBA tem criado diversas ações solidárias. Qual é o papel da arte no exercício da cidadania neste momento em que o Brasil infelizmente apresenta um abismo de desigualdade social?
Uma orquestra não pode ser um castelo distante da realidade, onde uma elite celebra seus ganhos e proventos tomando champanhe enquanto existem pessoas lutando por osso no nosso país. Uma orquestra faz parte da sociedade. Aqui na Bahia, nossa orquestra celebra de forma única o carnaval e o São João;l, as principais festas da cidade. Não seria justo a mesma se abster das dificuldades e problemas da sociedade baiana. Somos uma família e precisamos nos dar conta disso.
- A Bahia tem uma tradição de vanguarda a exemplo de movimentos como a Tropicália. Como a cultura local incentivou o seu estilo como diretor artístico?
Como já disse Gilberto Gil, a Bahia da régua e compasso. É natural que o ambiente vanguardista exerça uma influência grande sobre o nosso trabalho. E essa forma se dá por um caminho simples: uma profunda aceitação do público pelas novidades propostas.
- O que significa na prática uma orquestra ser livre de estereótipos?
É quando ela se liberta do imaginário coletivo que uma orquestra possui na sociedade. “A música que a minha vó adora”, “a música que torna as crianças mais inteligentes”, “a música que acalma”, “A música boa para estudar”, etc. Não que a música clássica não possa exercer também estes papéis, mas o fato é que se só pensarmos assim, estamos reduzindo um universo tão rico a algo tão pequeno. A orquestra precisa saber se comunicar bem com a sua sociedade para sair deste lugar comum.
- Você já levou ao palco grupos de percussão. Quais são as características da musicalidade africana e como elas se relacionam com a música clássica?
A música africana é muito rica ritmicamente e é maravilhoso para uma sinfônica beber desta fonte. Mas creio que o mais importante é o fator simbólico. As missas ortodoxas sempre entraram na orquestra sinfônica, independente da religião de seus músicos. Os réquiens de Mozart, Brahms, Fauré, Verdi, entre outros, são figurinhas fáceis no nosso repertório. Assim como as missas luteranas de Bach, suas paixões e grandes missas. Por que não podemos ter elementos musicais do candomblé? O “OSBATALÁ”, nosso projeto com essa direção, foi muito bem aceito pela Sinfônica da Bahia, mesmo pelos evangélicos mais ortodoxos. Ao legitimar esta música, creio que podemos contribuir também para um maior entendimento entre as religiões em um momento difícil para as religiões de matriz africana, atacadas sem qualquer motivo por fanáticos religiosos. Arte, numa orquestra sinfônica, deve ser a palavra de ordem, acima de qualquer outra coisa.
- Como a orquestra dialoga com as pautas identitárias tão discutidas no momento?
Na sua recente academia Virtual, nossa orquestra teve cotas para negros e mulheres. Na suas próximas temporadas, obras de compositores negros e compositoras, também terão um destaque maior, gerando representatividade em sintonia com as pautas atuais.
- No seu Instagram você sempre aparece brincando com a sua sobrinha Nina. Como estimular as crianças a gostarem de música clássica em um universo de videogames e Tik Tok?
Da mesma forma que nossos pais fizeram conosco, ou seja, criando as crianças em um universo musical. A criança é um filtro aberto e, na maioria das vezes, quem decide o que entra por esse filtro são os pais. Jamais pressionem as crianças, apenas promovam audição lúdica e constante de tudo aquilo que é bom musicalmente.
- Como funcionam na prática as oficinas musicais (que você dá aula) voltadas para crianças e adolescentes da Prudential Concerts? Quem pode participar? Onde acontecem as aulas? Qual é a duração?
São encontros rápidos, onde a minha missão é plantar uma semente inesquecível sobre Música Clássica, para que as crianças sejam estimuladas a procurar, perguntar e acessar a música clássica futuramente. São feitas dinâmicas de regência e de escuta musical. O resultado é surpreendente.
- Os jovens vivem imersos nas redes sociais, em uma comunicação veloz e sucinta. Como explicar o crescimento da busca por música clássica entre eles, como mostram dados recentes do app Deezer e também a lotação de saraus e concertos da OSBA?
Eu acredito que o nosso trabalho tem surtido efeito e a maioria dos maestros conscientes já percebeu que precisa incutir no jovem o sentimento de transgressão que só música de concerto proporciona, acima de qualquer outra. Beethoven rasgou a dedicatória de sua terceira sinfonia, que em princípio seria dedicada a Napoleão Bonaparte. Decepcionado com os ideais imperialistas do mesmo, Beethoven dedicou então à memória de um grande homem. Que sejamos então este “novo homem” e saibamos nos adaptar a nova era. Isso não é pouca coisa.
- Qual é a principal característica de uma liderança artística bem-sucedida?
É quando ela se dá com respeito, carinho, conexão com o corpo à sua volta. E quando ela não tenta civilizar, e sim trocar com o corpo artístico e com a sociedade à sua volta.
Entrevista: Maestro Carlos Prazeres