Produção artistica é prolífica, apesar de toda dificuldade que o sistema impõe às comunidades periféricas

Por Jairo Sanguiné / R3S

O senso comum impõe para a sociedade uma visão de que as periferias urbanas limitam-se a territórios carentes e, principalmente, violentos. Essa é a narrativa mais comum que se vê nas mídias convencionais e que acaba por ser absorvida por ampla parcela da população. No entanto, um olhar mais atento pode observar um lado mais humano dessas localidades, sobretudo quando o assunto é arte. Sim nas periferias cariocas se produz muita, mas muita arte, apesar de toda dificuldade que o sistema impõe às comunidades, sobretudo em termos de desigualdade social e predominância dos estereótipos clássicos de quem vive nesses locais afastados dos chamados centros urbanos.

Para o Jorge Luiz Barbosa, professor da UFF e diretor do Observatório de Favelas –  organização da sociedade civil de pesquisa, consultoria e ação pública dedicada à produção do conhecimento e de proposições políticas sobre as favelas e fenômenos urbanos – “não é sem surpresa que o senso comum considera que “falta cultura” aos moradores das periferias urbanas. Muitas vezes o fazer cultural das periferias é conhecido e faz até sucesso. Porém, a questão principal é que essas práticas não são reconhecidas como relevantes para sociedade como um todo. E, não raras vezes, tornadas invisíveis na cidade. Aqui reside um recorte territorial discricionário do significado da cultura que precisa ser superado com políticas públicas afeiçoadas ao conjunto de experiências e sujeitos sociais que se fazem presentes na periferia, em particular na região em estudo”. Barbosa é autor do artigo “Cartografias da cena cultural e artística dos bairros de Bangu, Campo Grande, Santa Cruz e Guaratiba”, publicado no E-Book Culturas de Periferias, organizado por ele e Monique Bezerra da Silva para o Observatório das Favelas. O link para acesso ao E-book está disponível no site da organização: observatoriodasfavelas.org.br

Criado em 2001, o Observatório é desde 2003 uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP). Com  sede na Maré, no Rio de Janeiro, sua atuação é nacional. Foi fundado por pesquisadores e profissionais oriundos de espaços populares, sendo composto atualmente por trabalhadores de diferentes espaços da cidade. Trata-se de uma organização da sociedade civil de pesquisa, consultoria e ação pública dedicada à produção do conhecimento e de proposições políticas sobre as favelas e fenômenos urbanos. Busca afirmar uma agenda de Direitos à Cidade, fundamentada na ressignificação das favelas, também no âmbito das políticas públicas, conforme apresentação no site da organização.

De acordo com o estudo, há uma imensa riqueza cultural nas periferias urbanas da nossa cidade que não aparece no mapa oficial da distribuição de equipamentos culturais. É este o caso dos bairros de Bangu, Campo Grande, Santa Cruz e Guaratiba, localizados na Área de Planejamento 5, como comprova o inventário realizado no âmbito Projeto Oeste Carioca, realizado pelo Observatório de Favelas em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura3, ao registrar 265 instituições e lugares de arte, cultura e patrimônio (ecológico e histórico) que se fazem presentes na Zona Oeste do Rio de Janeiro”, afirma o professor Jorge Barbosa em seu artigo.

 

AfroReggae

Outro protagonista na produção artística periférica é o grupo Afro Reggae, que já tem 28 anos de estrada percorrida com objetivo de reduzir as desigualdades sociais e combater o preconceito em suas diversas formas, utilizando a arte e a cultura como ferramentas de transformação social.  O grupo tem por objetivo

criar empreendedores, mediadores de conflito e protagonistas sociais, além de afastar jovens da influência do tráfico e gerar renda e autoestima. Segundo o diretor fundador do Afro Reggae, José Júnior, é muito difícil para uma ONG chegar aos 28 anos, “principalmente para uma ONG que trabalha para o jovem, negro, pobre, favelado, com diversidade”.

Apesar dos resultados positivos imensuráveis nessas quase três décadas de atuação, ele sente falta de apoio de grandes marcas e dos diferentes governos ao longo desse tempo. Hoje o grupo conta com apoio apenas da Ambev e da Gol Linhas Aéreas através de leis de incentivo à cultura. “Temos muito apoio do público e muita coisa pra comemorar, como a volta do Centro Cultural Wally Salomão (CCWS) e o Afro Games, o maior centro de e-sports do mundo dentro de uma favela”.  Localizado em Vigário Geral, favela Carioca oCCWS conta com uma estrutura robusta com Estúdio de Gravação, Estúdio de DJ, amplas salas de ensaio, para reuniões e atividades de capacitação, o espaço tem o objetivo de promover atividades voltadas à arte, cultura e educação. Atualmente oferece oficinas culturais de Ballet Clássico, Zumba e Percussão; além de atividades recreativas diárias e AfroCine.

Logo que foi fundado, em 1993, o grupo passou a oferecer oficinas de reciclagem de lixo, percussão e de dança afro dentro da favela. O trabalho da instituição se expandiu e alcançou os moradores das favelas de Parada de Lucas, Cantagalo, Complexo do Alemão, da Penha e outros municípios, como Nova Iguaçu.

O AfroReggae passou a desenvolver projetos em áreas pobres, violentas e muitas vezes comandadas pelo tráfico de drogas. Além da atuação nos núcleos, por meio de oficinas, aulas, eventos, entre outros, o grupo também passou a trabalhar na formação de grupos artísticos, programas de televisão, publicações sobre temáticas sociais.