Em tempos de reclusão, o melhor remédio é a leitura. “Metrópole à Beira-Mar, o Rio moderno dos anos 20”, é a dica da REVISTA 3SINAIS
Por Jairo Sanguiné / R3S
A história da cidade do Rio de Janeiro, em seus 455 anos, é riquíssima, mas o período entre o carnaval de 1919 e a Revolução de 30 é particularmente interessante. E é exatamente a década de 20 do século passado que o escritor Ruy Castro, autor de biografias extraordinárias como as de Nelson Rodrigues, Carmen Miranda, Garrincha, entre outras obras que tem o Rio como cenário, reconstitui deliciosamente no livro “Metrópole à Beira Mar, o Rio moderno dos anos 20”.
Nesses tempos de confinamento, é uma excelente dica de leitura, até porque no início da obra ele relata uma epidemia que atingiu o mundo em 1918 e que em pouco tempo atingiria 1/5 da população do planeta, algo em torno de 50 milhões de pessoas. Era a chamada Gripe Espanhola, que deixou doente da metade da população carioca e matou 15 mil. Em outubro daquele ano, a gripe começou a arrefecer até desaparecer no final do ano, o que levou as pessoas a quererem fazer, do carnaval de 1919, o maior de todos. Afinal, se a epidemia voltasse poderia ser o último…
O próprio Ruy Castro pergunta na apresentação do livro: “o que aconteceu no Rio entre o Carnaval de 1919 e a Revolução de 30?” Ao que ele mesmo responde objetivamente: “tudo”.
Esse “tudo” passa por uma fervilhante mudança de costumes, pois a então capital federal estava se transformando, virando uma cidade moderna, vanguardista, espelhada na Paris da Belle Epoque. A cidade estava de fato fazendo história, com revoluções na imprensa, teatro, literatura, artes, arquitetura, futebol, direito das mulheres, na política, enfim, o Rio saíra definitivamente do período imperial para entrar no mundo moderno.
Os personagens daquele período são bastante conhecido dos cariocas, pois a maioria é nome de rua hoje: Siqueira Campos, Graça Aranha, Cardeal Arco Verde, Ronald de Carvalho, Arthur Bernardes, Epitácio Pessoa, Nilo Peçanha entre outros.
As mulheres dos anos 20 ganharam um protagonismo inimaginável até então. A começar pelos cortes de cabelo à la garçonne(curtos, tipo menino) e os vestidos subiram e deixaram as canelas de fora, considerado um acinte (1925 as saias já subiam aos joelhos!). Mas o protagonismo das mulheres também se percebeu na literatura, no jornalismo e nas artes. São muitos os exemplos, como o da escritora Julia Lopes de Almeida, cujo marido foi aceito na Academia Brasileira de Letras como em compensação a ela (como mulher não poderia entrar) e a poeta Gilka Machado que se atrevera a escrever coisas assim: “E sintamos, então, imóveis, lado a lado / Essa náusea, esse tédio, esse aquilamento / Que vem sempre depois de um desejo saciado…”
A década de 20 também foi o boom do teatro, o coração da vida social carioca. Havia dezenas de salas no centro da cidade, com capacidade para receber plateias de 1,5 a 3 mil lugares cada, e outras menores nos bairros. Mas nada seria tão criticado e mesmo condenado à morte que o alegre e debochado teatro de revista. Ninguém vinha ao Rio, a negócios ou a passeio, sem assistir alguma revista na praça Tiradentes.
A década de 20 viu nascer o samba, a evolução das escolas de samba, mais organizadas e temáticas. Rio tinha centenas de jornais, a cidade fervilhava nas artes, na literatura. Todos queriam morar aqui, trabalhar aqui, viver aquele modernismo todo.
“Metrópole à Beira Mar” é leitura obrigatória para quem ama o Rio. Ruy Castro descreve a cidade com uma prosa deliciosa, leve e profunda, com detalhes impressionantes de uma década que sacudiu a capital federal.