“Meu show não é político, mas não fico impassível diante da miséria de 50 milhões de brasileiros”
Por Jairo Sanguiné
Ney Matogrosso está ativo como no início da carreira, só que mais criativo do que nunca. São 46 anos de palco e 76 de vida sem acomodações, sem clichês e com muita coerência artística, percebida em cada novo projeto. Como na música Mal Necessário, de Mauro Kwitko, sucesso na voz de Ney, ele é “o novo, o antigo, o que não tem tempo, o que sempre esteve vivo, o certo, o errado , o que duvida”. Só não duvide da sua capacidade artística.
Ele estreou em janeiro deste ano o espetáculo Bloco na Rua, talvez o mais politizado de sua longa carreira, apesar dele manter distância da política. “É uma questão humanitária eu colocar músicas com letras que de alguma forma denunciam, por exemplo, o alarmante fato de no Brasil haver 50 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza”, diz ele.
O show abre com a música-título do espetáculo, a clássica “Bloco na Rua” (1972) , de Sérgio Sampaio, um dos gênios incompreendidos da MPB. A letra é recheada de metáforas para criticar a ditadura militar e fez enorme sucesso nos anos 70. O repertório tem ainda Pavão Misterioso, de Ednardo.. “Pavão misterioso, meu pássaro formoso /No escuro dessa noite me ajuda a cantar/Derrama essas faíscas, Despeja esse trovão/Desmancha isso tudo/Que não é certo não”. E por aí vai o setlist, com “A Maçã”, de Raul Seixas, “O beco”, dos Paralamas do Sucesso, “Corista de rock”, da Rita Lee, “Coração civil”, de Milton Nascimento, e “Feira moderna”, de Beto Guedes, Fernando Brant e Lô Borges.
Ney concedeu, por telefone, entrevista para a coluna “3 PERGUNTAS PARA…” da REVISTA 3SINAIS, onde ele fala do novo show, da careira e sua relação com a natureza.
TRES PERGUNTAS PARA NEY MATOGROSSO
REVISTA 3SINAIS – Apesar de não ser um show político na sua concepção, o repertório de Bloco na Rua é recheado de letras bastante politizadas. Como foi o processo de definição das músicas do espetáculo?
NEY MATOGROSSO – Bom na verdade este show está pronto há mais de dois anos, fui construindo o repertório aos poucos, selecionado umas coisas, tirando outras, então na verdade não é um show político, muito menos partidário. Tanto que quando fechei o repertório não se tinha a menor ideia, por exemplo, que iria governar o Brasil em 2019. Mas claro que quando fiquei sabendo que 50 milhões de pessoas no Brasil vivem abaixo da linha da pobreza me deixou muito preocupado, não tem como ficar impassível diante desse fato. E isso inevitavelmente acabou me influenciando na escolha de algumas músicas. Mas para mim é uma questão humanitária, não política, muito menos política partidária. Escolhi músicas que gosto e sempre gostei de cantar.
REVISTA 3SINAIS – Você tem 46 anos de carreira e sempre se reinventou, parece mesmo que sempre esteve alguns passos adiante do seu tempo…o que ainda falta para o artista Ney Matogrosso apresentar no palco?
NEY MATOGROSSO – Isso não tem como saber, pois quando estou no meio de uma turnê só penso nela…Quando fiz Atento aos Sinais, rodei o Brasil por cinco anos, foi o show mais longevo da minha carreira, e nos cinco anos eu não tinha a menor ideia do que fazer depois. Assim como ainda não estou pensando no próximo projeto. Quanto a estar à frente do meu tempo, tudo que eu faço é da minha própria natureza, nunca fiz para ficar à frente do tempo, por isso minha arte não tem rótulo, faço o que gosto, livremente.
REVISTA 3SINAIS – Qual o nível de influência da natureza na sua trajetória artística e pessoal?
NEY MATOGROSSO – Quando eu olho para trás, eu vejo influência da natureza em tudo, tanto na minha vida pessoal quanto na carreira artística. Se formos analisar, os figurinos, as músicas, enfim, tudo à minha volta tem relação direta com a natureza. Na minha fazenda eu recebo centenas de animais do IBAMA para um processo de soltura, sou um defensor ferrenho dos animais e das plantas, tenho uma necessidade natural desse contato.