Premiado ator, diretor, autor e professor Eduardo Wotzik fala sobre seus 40 anos de pesquisa teatral, que serão comemorados em grande estilo na Cidade das Artes a partir do dia 3 de maio.
REVISTA 3SINAIS – Que balanço faz do seu próprio fazer teatral nestes 40 anos em relação ao teatro no Brasil?
EDUARDO WOTZIK – O artista brasileiro oscila entre a mais alta auto estima e a mais baixa auto estima em segundos que se revezam. E apesar de, sinto uma alegria profunda. Me sinto mais vivo do que nunca. Foram 40 lindos anos e mais ainda serão, apesar de e apesar de tudo. Tem sido um belo encontro. A palavra que resume: um privilégio.
R3S – A principal característica da sua assinatura como diretor desde os tempos de formação no Grupo Tapa, passando por direção de ícones como Tônia Carrero e Walmor Chagas, para citar alguns, até o momento recente com “Missa para Clarice” e “Mim, Chita”, futuramente com “Rei Lear”?
WOTZIK – A diversidade a cada obra realizada. A paciência que considero a ciência mais importante. A admiração pelo ator e seus caminhos. A perseguição da cena poética. São múltiplas as principais características. E a cada trabalho uma nova característica se impõe e me exige. Sou um buscador, um incansável investigador da cena. Segundo Fernanda MONTENEGRO: um alquimista. Acho que ela tem razão.
R3S – De que forma está te impactando intimamente percorrer seu acervo para organizar a exposição? Este material está cem por centor reunido em sua casa ou também está solicitando ítens a amigos e parceiros?
WOTZIK – Tenho alguma coisa comigo, e muita coisa espalhada pelo mundo que estamos tentando resgatar. Trabalho. Da nervoso. Uma sensação estranha. É tanta coisa e ao mesmo tempo tão pouco. Devo confessar que não me sinto bem me revendo. Então tento olhar o que aquilo pode me trazer de novas reflexões. Ao mesmo tempo sinto um amor tão grande por cada detalhe, de cada espetáculo, cada processo, cada história e caminho como se fossem filhos que já geraram netos e bisnetos gerações de outras perguntas.
R3S – Qual a importância de João Bethencourt na sua carreira? E do Grupo Tapa?
WOTZIK – Fui abduzido pelo teatro quando aos treze anos fui assistir O dia que raptaram o papa do joão. Teatro Copacabana. Daqueles teatros que tem fantasma. Lotado. Os atores ali. Ao vivo. O público rindo em coro. Eu encantado. Os deuses do teatro viram aquilo e disseram: ah, é?! Gostou? Então vai ficar aí dentro pro resto da vida. Depois o Grupo Tapa. Foi minha escola. Lá dentro comecei minha trajetória de estudo. Lá fui ator, diretor, vendedor de espetáculos, palestrante, debatedor, operador de som, produtor, com a sorte de ter ao meu lado gentes do teatro que ainda estão todos aí da melhor qualidade e a orientação de um mestre apaixonado Eduardo Tolentino de Araújo.
R3S – Considera-se um aglutinador?
WOTZIK – Adoro juntar pessoas. Re ligar. Garrar na mão. Nada me traz mais alegria que ver um grupo de pessoas focadas no objetivo de servir ao mundo. Estou nesse momento vivendo isso aqui em Brumadinho. Trazendo nossa Missa Para Clarice e a partir de maio nesse grande Encontro que estamos organizando na cidade das artes. Que nome lindo não? Cidade das Artes.
R3S – Na atualidade cresce o discurso considerado pelos estudiosos como sendo de ódio. Há quem fale até no retorno do nazismo e fascismo. Seria momento de nova montagem de “O interrogatório”?
WOTZIK – Sempre é o momento de se fazer O interrogatório. A arte tem que estar sempre cuidando para que o ser humano não desande à barbárie. E nesse momento de total desamparo a tendência a ignorância é ainda mais vivente então torna-se ainda mais premente espetáculos que nos chame a civilidade.
R3S – Fale, por favor, o que ficou de memórias e aprendizado ao fazer uma encenação por 24h como esta de Peter Weiss.
WOTZIK – Quando fomos fazer em SP na Mostra de Arte a versão de 12h que começava às 18h de sexta e terminava as 6h de sábado todo o elenco reclamou que preferia a versão de 24h. Ficar dentro de uma personagem, vivendo na ficção é o maior prazer que se pode dar a nós gentes do teatro. O público via e se compadecia. E nós gargalhávamos em êxtase. Eu aprendi entre tomos de conhecimentos que não cabem aqui.
R3S – Tem projeto de algum livro sobre seu método e/ou sua obra?
WOTZIK – Gostaria muito. Eles estão prontos. No computador. Esperando os meios. Todo dia eles me acordam puxando o meu pé, loucos para se entregar ao mundo.