Tido como “boca do inferno” ou “boca de brasa”, o poeta e advogado Gregório de Matos Guerra incomodou muitos no período colonial (barroco) com a acidez lucida com que retratava, sem amarras, a Bahia e o Brasil colônia. Seguindo esse viés, o espetáculo O Boca do Inferno, texto de Adailton Medeiros, com Andréa Mattar, Gilson de Barros e Licurgo no elenco, sendo Licurgo, também, diretor da obra, fica em cartaz no teatro do Parque das Ruínas, em Santa Teresa, sábados e domingos às 19h30, até 21 de outubro.
O conflito interno desse personagem icônico da história brasileira é retratado por Licurgo de forma muito interessante, dando a ele cores que vão da comédia à tragédia, aproximando um personagem difícil, do público que o vê. O trio de atores compõe um ótimo elenco em sintonia, cada um com sua colaboração para o conjunto.
A decadência de Gregório como fidalgo, sua relação com Ana, ascensão como poeta, desafiando a tudo e a todos, com sua língua felina e suas sátiras poéticas certeiras, os ataques à Igreja e aos políticos da época em seus poemas, sua personalidade instável e suas contradições são uma constante na narrativa, oscilando entre o sagrado e o profano, o sublime e o grotesco, o amor e o pecado.
“A poesia dele e a própria pessoa é muito atual, mas o lance não é ele ser atual, é o Brasil que não mudou. Mas infelizmente é um país da época do Gregório. Então a peça se torna muito atual, por isso precisamos de mais bocas do inferno pra gritar e por a boca no trombone, pra mostrar que está tudo errado”, Licurgo.
A atualidade da obra se vê não somente no trabalho cênico, na narrativa construída que mescla músicas e imagens contemporâneas, como, principalmente, no discurso de Gregório, que data do Brasil colônia, barroco, e que ao ser ouvido se mostra muitíssimo atual. O que faz lembrar Maquiavel quando diz que a história é cíclica, já que não dispomos de meios absolutos para domesticar a raça humana.
Ana, o contraponto de Gregório
Um dos pontos altos da peça é a personagem fictícia, Ana, que traz o contraponto ao grotesco poeta, ela carrega de lucidez e feminilidade um período muito obscuro para as mulheres. Pode-se percebê-la como uma feminista, uma mulher à frente de seu tempo, ela age como uma linha a unir Gregório, sua poesia, o período barroco, as mulheres e a atualidade em que se vive. Sua inserção é de ótima valia para o andamento da narrativa, e serve também para reiterar a atualidade da vida e obra de Gregório.
“A Ana representa muito as mulheres, guerreiras, empoderadas. Ela é uma cortesã, sem esquecer que a peça se passa no século XVII, ela é apaixonada por Gregório, chegando a se humilhar por ele. A identificação feminina com a personagem vem dessa sua força, inteligência, e tudo que ela passa, até ser humilhada, o que acontece muitas vezes ainda hoje em dia. Ela surge como uma visão forte do feminino dentro da trama”, Andréa Mattar.
Conspiração, corrupção, orgulho, vaidade, cobiça e poder amarram os personagens de O Boca do Inferno numa trama que culminará numa traição.
O Boca do Inferno
Local: Centro Cultural Municipal Parque das Ruínas/ Rua Murtinho Nobre, 169 – Santa Teresa
Data: até 21/10 – sábados e domingo – 19h 30
Ingresso: R$ 30 (inteira)
*somente dinheiro
Ficha Técnica
Texto: Adailton Medeiros
Direção: Licurgo
Elenco: Licurgo Gilson de Barros Andréa Mattar
Direção de Movimento: Virgínia Maria
Figurinos: Janaína Wendling Acervo Carol Lobato
Iluminação: Paulo Denizot
Cenário: Paulo Denizot
Operador de Luz: Denilson Batalha
Programação Visual: Guilherme Rocha
Visagismo: Diego Nardes
Assistente de Visagismo: Lucas Souza
Fotos: Lucas Souza
Imagem: divulgação